Testemunho de Esperança - Investigação
Testemunho de Esperança da Nina
"Doenças de pele são aquelas que a maioria das pessoas por norma assume que se resolvem com cremes, pomadas e com o mantra “É só deixar de mexer que passa…”.
Para nós, que vivemos com elas todos os dias sabemos que a realidade é bem mais cruel e tão mais difícil de gerir.
Muito foi o tempo que gastei a tentar arranjar formas de explicar aos mais céticos o que sentimos e como vivemos os sintomas da Dermatite Atópica e o peso que “uma simples comichão” tem no nosso dia a dia. A forma que arranjei foi através de uma interrogação retórica - “Tu tens consciência que a tua pele existe? No teu quotidiano dás por ti a ter consciência que cada centímetro do teu corpo existe? Não por o veres ao espelho ou por tocares nele, mas por, mesmo de olhos fechados e completamente quieto, sentires cada centímetro cúbico que cobre o teu corpo?” Esta foi a melhor forma que arranjei até hoje de descrever o que é viver com Dermatite Atópica - é uma consciência dolorosa e constante de cada centímetro do nosso corpo, porque algo está sempre em ferida, inflamado ou prestes a inflamar.
Vivo com a Dermatite desde que me lembro de existir, com alguns momentos mais complicados que outros, mas todos eles sempre pautados por esta companheira indesejada que tenho para sempre. Há 3 anos tive a maior crise de Dermatite Atópica da minha vida e eu simplesmente deixei de viver os meus dias, e passei a sobrevive-los. Eu enquanto Nina deixei de existir e fui consumida pelos sintomas da minha Dermatite, porque existir era penoso - vestir-me era penoso, andar era penoso, comer era penoso, falar era penoso. Usar o pescoço para virar a cabeça era impossível, tal era a grossura da pele e a extensão das lesões. Dormir (as poucas horas que o meu corpo deixava) era algo que acontecia sentada, com o menor número de pontos de contacto possível entre a cama/cadeira e o meu corpo porque existir sobre uma superfície causava um desconforto de levar lágrimas aos olhos.
Foram tempos duros, para mim claro, mas para quem mais próximo de mim os vivia comigo. Os meus pais e o meu namorado que tudo tentavam fazer para melhorar a minha qualidade de vida mas quando os olhava nos olhos conseguia ver sentimentos de impotência e angústia avassaladores. E os meus amigos e colegas que viram desaparecer a Nina brincalhona e animada que conheciam sem entender muito bem o que se estava a passar. Se há os céticos que vos falava acima, que não entendem a dificuldade que é viver com Dermatite, também há aqueles que sem ter o diagnóstico, sofrem connosco e apesar de não a sentirem na pele, a Dermatite dos seus entes queridos também os afeta, e muito. O que só nós sabemos é que o simples facto de eles olharem para nós e entenderem que o que se passa connosco não é “só um problema de pele” e sentirem, por compaixão e empatia, a nossa dor faz nos sentir mais sãos - não estamos nisto sozinhos.
Escusado será dizer que as terapêuticas que tentei foram inúmeras, muitas das quais (ou quase todas) alguns de vocês que estão a ler também tentaram e tiveram sempre os mesmos resultados - alivia enquanto dura a embalagem, mas nada é duradouro e sem efeitos secundários.
Para sorte minha - e acreditem que tenho consciência da sorte que tenho - uma combinação de persistência, resiliência (movida a lágrimas de indignação) e médicos que o sabem ser na verdadeira concepção da palavra e do que significa exercer medicina trouxeram a esperança de volta. Há cerca de um ano e meio tive a oportunidade de integrar o ensaio clínico de uma substância já utilizada como terapêutica para outros tipos de doenças, o Upadacitinib. Escolher entrar num ensaio não é algo que se faça de animo leve, não só porque há tanta coisa que é desconhecida sobre o que pode acontecer e como o meu corpo vai reagir, mas também por toda a depuração que necessária passar para estar apta para ser aceite no ensaio e pela possibilidade de ser colocada no grupo que na fase inicial receberia o placebo.
Tive receio, claro. Quem na minha posição não teria? Há minha volta, os meus tinham-no também - e se na fase de depuração ficas tão pior que o medicamento nem consegue ajudar? E se fico no grupo de placebo e passo 3 meses sem poder recorrer a outra terapêutica? Mas depois veio a pergunta que importa - e se simplesmente tentar? Tentar ter uma vida melhor, tentar existir para além dos corticóides e imunosupressores que destroem o resto do meu corpo. Ter um diagnóstico de Dermatite Atópica é aprender a viver com a incerteza, mas ao menos aqui a incerteza tinha uma promessa de um futuro melhor. E que bom que é este futuro deixem-me que vos diga!
Consegui superar o período de depuração de terapêuticas passadas e entrar no ensaio e os resultados desta substancia na minha pele e mais importante, na minha qualidade de vida são algo que nunca sonhei viver. Com toda a certeza consigo dizer que hoje sou mais eu do que alguma vez fui. Posso mexer-me, posso usar maquilhagem, posso vestir uma peça de roupa sem ser 100% algodão e não sentir a necessidade imediata de a arrancar do corpo, posso receber um abraço sem ter o instinto de “Não me toques que é desconfortável!”. Sinto-me saudável, sinto-me bonita e sinto-me viva na minha pele.
Se me esqueço que tenho Dermatite Atópica? Não, nunca. Há cuidados que continuam a ser necessários, como a hidratação e a moderação em coisas que sei que me podem prejudicar. Contudo já não preciso de planear os meus dias em função da minha pele e limitar o que me posso dar ao luxo de fazer se a minha pele me deixar. Posso finalmente dar um mergulho uma piscina sem ter medo das consequências que isso terá e sem ter vergonha de mostrar a minha pele.
Não tenho em mim a prepotência de vos dizer quem um dia todos nós vamos viver sem sinais da Dermatite Atópica porque todos nós temos consciência que o seu diagnóstico é algo para a vida e viver com ele é viver com a incerteza de saber em que pele vamos acordar amanhã. O que vos digo é que felizmente e cada vez mais há caminhos para terapêuticas que nos vão dar mais qualidade de vida e ajudar a viver com este diagnóstico, mitigando a incerteza.
Digo-vos que quero acreditar que caminhamos para um mundo e para uma medicina que trará mais alternativas para cada um de nós poder controlar a sua Dermatite e retomar as rédeas das nossas vidas e que o primeiro passo para isso é partilharmos experiências e vivências entre nós, que nos entendemos.
Digo-vos que neste momento, escrevo estas palavras sem saber quantos centímetros cúbicos cobrem o meu corpo porque consigo viver sem ter consciência que eles existem. E o que mais quero é que todos vocês que entendem o que isto quer dizer, o possam sentir muito em breve. "
Nina S.
Associada da ADERMAP
19 de outubro de 2020