Testemunhos - Imunoterapia

"  “Tem calma! Respira, que a comichão já vai passar!”. 

Quantas vezes ouvimos isso? Quantas vezes estas frases nos irritam ainda mais?

Tenho 27 anos e desde que nasci que tenho dermatite atópica. Não me recordo dos meus primeiros anos de vida, mas cresci a ouvir a minha mãe a dizer que gastava uma bisnaga de corticoides tópicos após cada banho. “Pequena, mas com lesões do tamanho dela”. 

Cresci e as lesões tornaram-se mais leves e em poucos locais do corpo. Esqueci-me que a doença era assim tão incomodativa.

Aos 17/18 anos, quando fui para a universidade, as lesões começaram a aumentar de tamanho, número e gravidade. A revolta, a frustração começou. Estava a  começar o momento da minha vida em que me tornava adulta, fazia amigos para a vida, teria as melhores e mais divertidas noites da minha vida. Não era possível fazer qualquer uma destas coisas se não me conseguia vestir. Se uma simples t-shirt do dobro do meu tamanho me magoava. Se eu não conseguia, sequer, mover-me, estender um braço.

Qualquer simples toque na pele me feria mais, me doía! Sim, doer. A comichão era evidente, incomodativa, mas passou a um ardor permanente e uma dor constante. Como é que era possível concentrar-me nas aulas se estava sempre desconfortável? Se mesmo com roupas largas, para tocar o menos possível, não conseguia estar sentada? Como me poderia concentrar se não tinha dormido? Porque o calor na pele da parte do corpo encostada à cama não me permitia descansar. Não, não era pelo tecido da roupa, mas sim pelos sintomas que esta doença provoca.

Todo o meu roupeiro era de algodão, incluindo roupa interior (embora difícil de encontrar), perdi a conta das vezes que colocava emolientes no meu corpo por dia, todos os dias, em todo o corpo. Fazia tudo o que os médicos aconselhavam. Mas não era suficiente. Nada acalmava a dor e o ardor e a sensação de queimada 24 horas por dia!

Uns meses antes tinha conhecido o meu namorado. Como é que eu conseguia conciliar um inicio de um namoro, onde tudo ainda estava por conhecer, com uma doença que me fazia ter um aspeto nojento? Sim, cheguei a um ponto que não me preocupava com a aparência, mas sim com o aspeto nojento que tinha, que as minhas feridas tinham, que as pequenas “peles” que o meu corpo deixava na cama, na roupa. Eu tinha nojo de mim própria! Episódios no hospital porque tinha ensopado 4 conjuntos de lençóis e alguns pijamas numa só noite. Como é que não temos nojo de nós?

Quando alguém me dizia que entendia, que sabia o que me estava a acontecer, eu perguntava “Como?”. Como é que estas pessoas conseguiam entender se para elas, colocar um colar, uns brincos não era doloroso? Se para estas pessoas não era difícil colocar uma peça de roupa qualquer? Se estas pessoas não tinham medo de sair à rua?

“Isso não vai durar para sempre”, “a medicina está muito avançada!” Não nos digam isto. Porque naquele momento não conseguimos acreditar que seja possível alguém melhorar.

Entre dermatologistas, imunoalergologistas, muito aprendi sobre a doença, sobre mim, sobre os cuidados.

Finalmente encontrei um tratamento que me ajudou. Um conjunto de fatores que ajudaram não só na esperança, mas em, de facto, resultados. Cada pessoa, cada dermatite é diferente. E cada um de nós vai encontrar a sua melhoria em algum momento. No meu caso foi com a ajuda de determinados imunoalergologistas e com a vacina antialérgica que comecei a melhorar. Custou. Não pelo tratamento. Financeiramente. Foi um investimento longo, com resultados a longo prazo. A esperança de tudo acabar era grande. Mas quando é que isso iria acontecer? Aconteceu uns anos depois. Comecei a ver as minhas lesões a diminuir, a incomodar cada vez menos. Já passaram alguns anos e os frascos de creme duram mais tempo no meu quarto. Já não tenho manchas de creme nas roupas. Ter soutien e cuecas vestidos já não é um pesadelo. Mantenho os cuidados mínimos e conheço quando vou ter uma pequena crise. Não! A doença não desapareceu. Mas passei de um diagnóstico de dermatite atópica grave, para leve. Agora consigo dormir, divertir-me e esquecer-me que tenho dermatite atópica. No contexto da minha melhora, decidi continuar os meus estudos fazendo um doutoramento em Saúde Pública e Epidemiologia sobre a qualidade de vida de doentes com dermatite atópica.

Importante realçar o facto de as pessoas próximas de mim, no momento das minhas grandes crises, admitirem que “aquilo” não era uma doença fácil, ajudou muito. Saber e sentir que a minha família concordava comigo, em como esta doença não é apenas aparência, que eu não estava a exagerar. Faz-nos sentir que não estamos assim tão sozinhos.

Qualquer um de nós consegue atingir um estado de saúde melhor. Confiem nos especialistas que estão convosco. Falem com outras pessoas com a doença ou que já tiveram crises maiores. Ter dermatite atópica é horrível, mas nada como alguém nos realmente compreender."

Daniela C.
Associada da ADERMAP

 

Criado: 28-09-20 | Última atualização: 16-02-21